Extrativismo mineral e os sentidos da colonização
Breve radiografia do setor nos últimos 20 anos. Pouco mudou: o grosso da produção nacional é exportado, sem qualquer manufatura. China e EUA são os principais compradores. Riquezas se esvaem; o impactos ambientais ficam
OutrasPalavras
A essência do processo de inserção do Brasil na economia internacional é a venda de produtos primários em troca da compra de produtos manufaturados. Esse traço fundamental é uma herança do modo distinto de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, derivado da exploração colonial.
O extrativismo mineral, historicamente, é um eixo de reprodução dessa lógica que atravessa o tecido social brasileiro, aquilo que Caio Prado Júnior denominou de “o sentido da colonização” (PRADO JÚNIOR, 1961). Voltada a economia para a exportação de produtos com baixo valor agregado, reproduzimos estruturalmente o local estabelecido para o Brasil pela divisão internacional do trabalho.
A evolução do regime de propriedade mineira no Brasil nos últimos 20 anos demonstra o processo de repetição do estatuto colonial: por um lado, baixa porcentual de manufatura dos produtos minerais vendidos no mercado internacional; por outro lado, alta dependência de poucos compradores.
Ressalta-se ainda uma grande concentração da produção de minério de ferro e uma produção relevante de alumínio, restando aos outros produtos minerais um lugar de menor importância no complexo total de produção de minérios.
Ao final da década de 90, em 1999, a produção mineral brasileira estava estabelecida de forma que o país exportou 169 milhões de toneladas de minérios, desse total 147 milhões de toneladas foram de minérios brutos, 11 milhões de toneladas de semimanufaturados, 9 milhões de manufaturados e um milhão de toneladas de compostos químicos minerais.
Nesse ano [1999], a pauta mineral representou 10,56 bilhões de dólares em exportações: 3,285 bilhões de dólares em minérios brutos, 3, 569 bilhões em semimanufaturados, 2,925 bilhões de dólares em minérios manufaturados e 275 milhões de dólares em compostos químicos. O total produzido no país naquele ano: 12, 638 bilhões de dólares1.
Há então três lógicas implícitas ao quadro produtivo nacional: a primeira de que cerca de 80% da produção nacional é exportada; a segunda de que em torno de 85% da pauta de exportação não passava nem ao menos pela primeira cadeia produtiva de beneficiamento; a última de que mesmo representando menos de 10% do volume produzido, o valor adquirido com os minérios semimanufaturados supera em dólares o valor da exportação de minério bruto.
No que se relaciona aos países para onde vendíamos nossa produção mineral2, os Estados Unidos compraram 2,427 bilhões de dólares de nossos minérios, o Japão 1,020 bilhão e a Coreia do Sul 345 milhões de dólares. Entre os dez países para os quais mais vendíamos, Alemanha, Bélgica, Itália, Holanda e Espanha totalizavam juntos 2,172 bilhões na Europa.
O único país latino-americano que se inseria na condição de dez maiores compradores era então a Argentina, para quem vendemos 665 milhões de dólares em minérios. A China, então, comprou naquele ano 284 milhões de dólares em minérios brasileiros, sendo a nona nação para onde mais vendíamos. Assim, a concentração de compradores internacionais se dava de maneira que os dez maiores países realizavam 65% de nossas compras, a grande maioria das vendas ocorrendo para países industrializados.
A evolução da produção mineral compõe um traçado em que no ano de 2008, antes da crise financeira internacional exportamos 44, 451 bilhões de dólares, havendo uma regressão no ano de 2009 para 30,829 bilhões de dólares. Após a depreciação de valores, a exportação voltou a se desenvolver, de maneira que em 2019, último ano a termos dados, a pauta de exportação mineral significou para o país 48,640 bilhões de dólares: uma cifra similar à obtida a 11 anos antes.
Em 2019, último ano que temos dados anualizados pela Agência Nacional de Mineração, permanecemos em condições produtivas com os mesmos traços fundamentais. Dos 48 bilhões de dólares que exportamos, 26 bilhões de dólares foram relacionados à venda de minérios brutos, 12 bilhões de dólares em semimanufaturados e 9 bilhões de manufaturados.
Por outro lado, a pauta de exportação ter se estabelecido em torno do mesmo padrão no que se refere aos dez países que mais compram nossos minérios em 2019, com 70% da produção sendo comprado pelos dez maiores. A grande alteração fundamental na pauta de exportação mineral brasileira não vem da alteração da estrutura nacional, mas sim da apresentação da China como o principal comprador mundial de nossa produção.
Em 20 anos de desenvolvimento do extrativismo mineral brasileiro a estrutura do regime de produção mineral brasileiro permanece praticamente a mesma. Tal quadro estrutural, por um lado, estabelece uma condição na qual a espoliação de nossos recursos naturais não significa a produção de valor em termos nacionais, mas a subtração desse valor quando compramos os produtos manufaturados.
Somente a realização em solo nacional da primeira cadeia produtiva mineral significaria uma tremenda retenção de valores para o país. Por outro lado, a indústria de extração mineral requer usos intensivos do solo, da água e de energia elétrica produzidas no país, significando uma relação de dependência em que os impactos ambientais são nacionalizados e os produtos derivados desse impacto consumidos, em grande medida, no exterior.
O elenco de compradores internacionais é indicativo de quem ganha com a espoliação brasileira, em grande medida países industrializados e um país que passou por intenso processo de industrialização como a China. Sem a reversão desse quadro estrutural não há como o país superar os principais problemas nacionais que historicamente atrasam o nosso desenvolvimento.
_____________________
Referências:
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia. São Paulo: Brasiliense, 1961.
BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. Anuário Mineral Brasileiro – 2000, volume 26. Brasília: DNPM, 2000.
BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. Anuário Mineral Brasileiro – 2010, volume 36. Brasília: DNPM, 2010.
BRASIL, Agência Nacional de Mineração. Anuário Mineral Brasileiro: principais substâncias metálicas. Brasília: ANM, 2020.
1 Tabela 6, página 13, do Anuário Mineral Brasileiro de 2000.