Encontro de quem decide o futuro de Itabira: Marco Antônio Lage reúne com Eduardo Bartolomeo, presidente da Vale

“Itabira não será esvaziada. Não deixaremos que ela seja transformada em cidade fantasma, um simples registro para a história” (Eliezer Batista, em 27 de abril de 1980).

Por Carlos Cruz

Pelo menos desde meados dos anos 1980, quando a então Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) começou a explorar a fabulosa riqueza mineral de Carajás (PA), e o município de Itabira deixou de ser o maior exportador brasileiro de minério de ferro, entrou na pauta de debates a necessidade de diversificar a sua economia para que fosse evitada a derrota incomparável cismada por Tutu Caramujo.

Já naquela ocasião, a então estatal anunciou que as minas de Itabira, com a entrada em operação do complexo Carajás, teria vida mais longa, estendendo-se até 2025.

Portanto, quando se fala na iminente exaustão mineral, não se trata de novidade e nem “furo” de reportagem. Tanto que a Associação Comercial de Itabira (Acita) lançou, pouco depois dessa perda de hegemonia mineral, o projeto Itabira 2025 justamente para buscar estratégias e encaminhamentos para a diversificação econômica.

Foi também por essa época que se inaugurou o distrito industrial de Itabira, instalado em local inadequado, acima do principal manancial de água da cidade, em terreno disponível e doado pela mineradora.

Se houvesse planejamento, não teria sido instalado naquele local, mas em região próxima do Laboriaux, de preferência ao lado da ferrovia – e que não impactaria o abastecimento de água na cidade, pois, como dizia o meu pai, Zé Cruz, o distrito disporia da água do ribeirão de São José, suficiente para atrair novas indústrias.

Mas preferiram fazer o que parecia ser mais fácil ao escolherem a atual localização do Distrito Industrial. Afinal o terreno estava disponível, bastava retirar a mata nativa nele existente e fazer a terraplanagem. Pronto: a Vale teria cumprido assim o seu papel de ajudar Itabira diversificar a sua economia em busca da tão sonhada industrialização, que ainda não veio.

Contrapartida

O presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, com o prefeito Marco Antônio Lage: compromissos com a diversificação econômica de Itabira antes que o minério chegue ao fim (Fotos: Divulgação/PMI e acervo da Vale)

Pois bem, todo esse “nariz de cera” é para dizer que o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) se encontrou, nessa terça-feira (17), com o presidente da mineradora Vale, Eduardo Bartolomeo, para tratar do mesmo assunto abordado pelo ex-presidente Eliezer Batista (1924-2018) na já distante década de 1980.

Batista dirigiu a mineradora Vale, que já era o Estado dentro do Estado,  por duas ocasiões: a primeira entre 1961/64 e a segunda de 1979 a 1986.

Mas foi principalmente nesse segundo período, antes mesmo da entrada em operação do Complexo de Carajás, na época o fantasma que ameaçava a liderança de Itabira nos mercados nacional e internacional de minério de ferro, como de fato se concretizou, que ele prometeu reiteradas vezes apoiar o município minerado na busca da ainda tão propalada –e até então não realizada – diversificação da economia municipal.

“”Não poderia perder a oportunidade, ante uma plateia de operários e técnicos da Companhia Vale do Rio Doce, reafirmar nossos ideais de procurar cada vez mais o engrandecimento de nossa empresa, mas sem nos esquecer jamais de dar a Itabira a contrapartida de que ela sempre se fez merecedora por parte da CVRD – empresa responsável pela exploração das riquezas contidas no coração de sua terra”, escreveu Eliezer Batista em carta lida por José Batista Filho, em 27 de abril de 1980, por ocasião da inauguração do conjunto habitacional Juca Batista, que homenageia o seu pai. (Leia mais no final desta matéria).

Boas intenções

O ex-presidente Jorio Dauster com o ex-prefeito Jackson Tavares, na inauguração dos Caminhos Drummondianos, em junho de 2000, na celebração dos 58 anos da instalação da Vale em Itabira (Foto: Taquinho/Minas Sul/Vale)

Foi o primeiro encontro presencial do prefeito de Itabira com o presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, no escritório da empresa no complexo Cauê.

Segundo a assessoria de imprensa da Prefeitura, Marco Antônio Lage considerou a reunião positiva, como também foram assim tratadas as reuniões dos chefes do executivo itabirano com ex-presidentes da Vale no início deste século.

Jackson Tavares (1997/2000) se reuniu várias vezes com o embaixador Jorio Dauster, o que fez também Ronaldo Magalhaes em seu primeiro mandato (2001/04) em repetidas reuniões com Roger Agnelli.

Todos os ex-presidentes da Vale prometerem, com toda pompa e circunstância, ajudar Itabira a diversificar a sua economia para não virar uma cidade fantasma após a exaustão mineral.

O ex-presidente Roger Agnelli no gabinete do ex-prefeito Ronaldo Magalhães, na solenidade de entrega do documento com os resultados das pesquisas geológicas realizadas em Itabira, em 2003 (Foto: Humberto Martins/Vale Notícias)

Sustentabilidade

Ainda de acordo com a assessoria de imprensa da Prefeitura, Marco Antônio Lage considera que os momentos históricos de Itabira e da Vale são coincidentes.

“Enquanto o município desenvolve alternativas para ter um futuro sustentável, sem os recursos da mineração, a empresa também passa por uma transformação após os recentes desastres de Mariana e Brumadinho.”

Assim como manifestaram os prefeitos anteriores, o tom é ufanista após o encontro com o sempre poderoso presidente da mineradora: “A Vale é uma empresa que está em transformação e Itabira é uma cidade que precisa se transformar e que vai se transformar. Ambos no caminho da sustentabilidade”, disse o prefeito.

“A Vale concorda que, ainda que haja mais tempo para a exploração mineral em Itabira, além do tempo previsto e já informado pela empresa, a preocupação com a diversificação econômica de Itabira é legítima e necessária. A empresa vai contribuir com os projetos que o município tem nesse sentido”, completou Marco Antônio.

Sobre o tempo a mais para a exaustão mineral leia aqui Em 2003 a Vale informa que Itabira teria minério até 2063

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Mais promessas

Após o encontro, a avaliação do governo municipal é que “ficou clara a intenção da Vale de fazer de sua cidade-berço um case (sic) de sucesso de diversificação econômica”, notadamente nas áreas de Saúde, Turismo, Tecnologia e Educação, “tendo a Unifei como carro-chefe dessa transformação econômica”.

“Há uma sintonia e uma confiança entre as partes no sentido de construção de soluções efetivas para a cidade. Temos tido um diálogo franco e próximo da Vale desde o início da gestão e hoje, com a visita do presidente, ficou evidente que estamos em um caminho certo para tornar os projetos exequíveis e conquistarmos a diversificação econômica de Itabira”, empolgou o prefeito de Itabira.

Espera-se que as partes saiam da teoria para a práxis que transforma a realidade. E que a história não se repita como tragédia ou como farsa, para usar a célebre frase de Karl Marx na abertura de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, de 1852, referindo-se à conjuntura política da França do século XIX.

O certo é que a cisma com a derrota incomparável, profetizada por Tutu Caramujo, persiste entre muitos itabiranos diante de tantas promessas e cartas de intenção não cumpridas.

(Leia abaixo, trechos da carta de Eliezer Batista dirigida aos itabiranos em 27 de abril de 1980).

Assim falou Eliezer Batista, ex-presidente da Vale

O ex-presidente da Vale, Eliezer Batista, em 1980 declarou peremptoriamente: “Itabira não vai virar cidade fantasma.”

“… Itabira, sede histórica da CVRD, não desaparecerá dos anais da Companhia como também não será relegada a ponto de referência ou índice técnico no desenvolvimento da empresa, assim como, ao esforço de seu trabalhador, o Brasil não a dedicará apenas um registro em sua história.”

“A vida das jazidas que ajudaram a financiar os custos de transformação de um país continental será prolongada com a entrada em operação do projeto Carajás, e repartir com o Cauê e Piçarrão, o ônus desse financiamento.”

“É meu compromisso com a terra de meu pai, nascido no então distrito itabirano de São José da Lagoa.”

Carta de Eliezer Batista aos itabiranos

“Itabira não será esvaziada. Não deixaremos que ela seja abandonada, transformada em uma cidade fantasma, um simples registro para a História. A nossa administração na CVRD está empenhada firmemente em restituir a Itabira a riqueza dela extraída e impedir que se repita o que ocorreu com inúmeras outras cidades ao fim do ciclo do ouro.”

“Para isso podemos relembrar aqui o compromisso público que assumimos ao final do ano passado por ocasião de assinatura do convênio com a Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais para construção do Centro Industrial Sócio-Integrado de Itabira – o novo polo industrial gerador de riquezas do município – o que foi feito na presença ilustre do Governador do Estado.”

“Podemos então afirmar que aquele era ‘o primeiro passo na devolução do que a empresa retirou de Itabira’. Tudo que foi dito então, pode ser reforçado por novos projetos – já em andamento como a construção de uma destilaria de álcool, o reforço de nossa participação acionária na Fermag, ajudando na sua expansão e na criação de novos empregos, e outras iniciativas que venham ao encontro da preocupação dos itabiranos em converter a sua economia – hoje assentada na mineração – numa economia industrial diversificada.”

“Estamos também participando dos esforços da comunidade no setor educacional com o suporte financeiro à Fundação Itabirana Difusora do Ensino para a construção do Centro Técnico Interescolar.”

 

 

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