Assassinatos em Itabira, na grande maioria, decorrem do tráfico de drogas, diz Helton Cota. Mas delegado não vê liberação como saída
Com o aumento de homicídios no fim do ano, como atestam as frias estatísticas, Itabira deve ampliar o número de crimes contra a vida com a chegada do ano novo.
Até meados de dezembro, o município registrou 21 homicídios, já superando o registro de 15 assassinatos em 2018, mas abaixo, pelo menos até esta data, dos 25 homicídios consumados em 2017.
Sendo assim, não é de causar espanto se mais atentados contra a vida vieram a ocorrer em Itabira até a despedida de 2019.
“Infelizmente essa é uma tendência e não é só em Itabira”, observou o delegado regional Helton Cota Lopes, em recente entrevista coletiva, quando fez balanço das atividades desenvolvidas pela polícia no município, que tem concentrado as suas ações – e investigações – nos crimes de homicídios tentados e consumados.
“O homicídio não é normal, mas o número em Itabira não é alarmante se comparado com cidades do mesmo porte”, assegurou Cota Lopes.
Ainda de acordo com o delegado, 90% dos homicídios estão relacionados com o tráfico de drogas, que, também em Itabira, vive em guerra permanente pelo controle das “bocas”, com extermínios de lado a lado.
É o que explica o elevado número de homicídios na cidade. Mas o delegado não vê a legalização das drogas como meio de diminuir a violência do tráfico, minando as fontes de renda.
“Essa relação não é confirmada. Existem estudos que apontam a diminuição de crimes violentos (com a liberação), como também pode em nada afetar, como indicam outros estudos.”
Uso medicinal
Portaria recente da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) ampliou o uso de produtos à base de canabidiol em associação com outros canabinóides, que podem ser importados por pacientes com prescrição médica para um número agora ampliado de doenças tratadas com derivados desse fármaco milenar.
A portaria tornou também mais ágil o procedimento de avaliação e liberação das importações.
No entanto, não foi liberado o cultivo da maconha (cannabis sativa), mantendo-se o paradoxo de reconhecer as propriedades medicinais tanto do CBD (Cannabidiol) como também do THC (Tetraidrocanabinol), que tem uso recreativo ainda proibido no país.
Antes da publicação da última portaria, a Anvisa já havia liberado a importação do CBD, na forma de um medicamento chamado Mevatyl, vendido em muitas farmácias por meio de receita médica.
O Mevatyl é uma combinação meio a meio de CBD e THC. “Não é um medicamento de uso corrente porque é caríssimo” disse o médico Paulo Fleury, em recentes palestras em Itabira.
“Não há ilegalidade na prescrição tanto do CBD como do THC”, é o que ele tem sustentado. (Leia mais aqui e também aqui).
O médico belo-horizontino é um dos pioneiros no país a pesquisar e prescrever o uso de cannabis sativa com fins medicinais para tratar diversas doenças. Ele contou que há mais de seis anos já faz a prescrição, principalmente para um grupo de autistas, além de tratar um conjunto de patologias.
Fleury tem receitado o uso medicinal da maconha inclusive na forma fumada, que é considerada recreativa – e é ainda proibida no país. Para isso, mediante prescrição médica, o paciente deve requerer um habeas corpus preventivo para que possa cultivar a planta sem correr risco de ser preso.
O delegado Helton Cota diz ter conhecimento de alguns casos em que tenha ocorrida essa liberação no país. Mas ele assegurou que não há registro da liberação na região de Itabira sob a sua jurisdição, que abrange 11 municípios. “São casos muito específicos em que os pacientes conseguem essa autorização”, afirmou.
Business
O certo é que no mundo inteiro é cada vez maior o número de países que tem liberado o uso da maconha para efeito medicinal – e também recreativo. No Brasil, inclusive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso há anos defende a liberação geral do uso de todas as drogas, não só da maconha, como política de redução de danos.
A defesa dessa liberação também considera que a repressão policial não diminui o uso de usuários – e que o Estado tem a obrigação de proteger esses cidadãos dependentes do tráfico, como também assegurar a qualidade desses entorpecentes.
Mesmo com todo o proibicionismo ainda vigente, o médico Paulo Fleury acredita que no futuro bem próximo o Brasil será grande produtor das mais diferentes variedades de cannabis sativa.
Mas ele faz uma ressalva. “Assim como ocorre desde o Pau Brasil, seremos produtores da commodity, enquanto Israel irá fabricar os óleos essenciais que o mundo todo irá consumir”, é o que ele prevê.
Como as leis não acompanham com a mesma rapidez as mudanças de hábito e consumo processadas em sociedade, a liberação geral da maconha no Brasil ainda deve demorar.
Mas o mercado que tudo vê – e controla – já enxerga à frente a possibilidade de lucros crescentes com a liberação da maconha em todo o mundo. A expectativa é movimentar mais de US$ 160 bilhões por ano até 2025 com a comercialização de produtos derivados da maconha.
Já antevendo esse promissor mercado, a XP Investimentos lançou, recentemente, o Trend Cannabis FIM , um fundo de ações brasileiro focado no mercado da cannabis internacional. Leia mais aqui.
Segundo a operadora de ativos financeiros, embora ainda volátil, a exposição a esse mercado aumentou bastante nos últimos anos. O fundo brasileiro já investe em ações de empresas de países como os Estados Unidos, Canadá e Inglaterra.
A matéria-prima dos seus negócios é a cannabis — popularmente conhecida como maconha, essa planta milenar que agora volta a ser reconhecida como milagrosa, uma panaceia para muitos males, mas que desde o início do século passado é tida como “erva do Diabo”.
Recado
Segundo o delegado Helton Cota o tráfico de entorpecentes tem sido duramente reprimido na região sob a sua jurisdição. Tanto que houve aumento de registros das prisões pela prática do ilícito penal, principalmente pela venda de maconha e crack. “Também existe o tráfico de cocaína em Itabira, mas em número menor, por ser uma droga mais cara.”
Em 2017 foram feitas 143 detenções de pessoas envolvidas com o tráfico de entorpecentes, número que saltou para 191 no ano passado. Neste ano, até 18 de dezembro, foram registradas 118 prisões por tráfico de entorpecentes.
“O uso de entorpecentes, inclusive da maconha, continua proibido.”, lembrou o delegado regional, que prefere não aprofundar a discussão sobre a conveniência, ou não, de o país liberar o consumo da erva ainda maldita – e também de outras drogas, como parte da política de redução de danos.